A Copa do mundo de futebol tornou-se
um evento de tamanho e importância excepcional e a edição deste ano nos traz
uma série de reflexões. Desde o primeiro torneio mundial em 1930 muita coisa
mudou na estrutura e finalidade da Copa do mundo. O evento foi instituído como
marco da profissionalização do futebol pela Federação Internacional de Futebol
– FIFA, que com a força do capital conseguiu quebrar o romantismo das disputas
e transformar a copa do mundo de futebol em um dos maiores acontecimentos do planeta,
girando bilhões de dólares em venda de produtos e merchandising recheados de
muitas denúncias de corrupção e abuso de poder.
E as contradições não param por aí;
no esporte como em qualquer outra profissão, um dos objetivos deve ser a
ascensão social e financeira, entretanto, o futebol profissional tem produzido
muitos casos de degeneração sociocomportamental pela supervalorização de alguns
jovens atletas que, de repente, saem da extrema pobreza para uma situação
financeira de milionários sem qualquer preparação psicológica, tornando-se
mimados e imaturos sem a devida capacidade de ter certa dose de empatia. Há
felizmente, no entanto também diversos casos em que a repen
tina mudança de
condição financeira estimula os jovens atletas a ajudarem outras pessoas, que
passam pelas dificuldades antes enfrentadas por eles, independente de vínculos
familiares a melhorar suas vidas, seja através de projetos sociais formais em
suas comunidades ou até mesmo fazendo campanhas de conscientização e
esclarecimento.
O poder financeiro que envolve o
futebol hoje está entranhado entre corporações midiáticas envolvendo os
direitos de transmissões dos 64 jogos em que cerca de bilhões de pessoas
estarão vendo pela televisão nesses 28 dias de copa do mundo, além do impulsionamento
da venda de aparelhos de tv e bebidas mundo a fora aquecendo as indústrias do
setor.
Por conta de toda essa engenharia
financeira, os países brigam pelo direito de sediar a Copa do mundo de futebol,
chegando ao extremo inclusive de, segundo denúncias, pagar propinas para ser
escolhido. A escolha do Catar como sede, por exemplo, desnudou um dos maiores
escândalos de compra de votos para escolha de uma sede até hoje, inclusive
levando ao banimento dos presidentes da FIFA a época Joseph Blatter e da UEFA,
Michel Platini por liderarem a fraude.
O esquema só foi descoberto porque
chamou muita a atenção de todos o fato de um país que não respeita os direitos
humanos, a diversidade, os direitos das mulheres, inclusive de ir aos estádios,
e a completa falta de estrutura física pudesse ter sido escolhido para sediar
em pouquíssimo tempo um evento tão importante. Como previsto por muitos
observadores, a infraestrutura ficou pronta com o uso de trabalho análogo à
escravidão e com a morte de milhares de trabalhadores, muitos deles inclusive
sem receber pelo trabalho desempenhado.
O objetivo final era mostrar um país
moderno e aberto ao mundo. Mesmo com a censura imposta pelo governo Catari, o
fortalecimento das mídias sociais mostrou que a situação é ainda mais grave,
uma vez que além das acusações de pagamento de propina para sediar o evento,
ficou provado que o país não respeita os direitos humanos, não respeita os
direitos das mulheres, não permite a liberdade de expressão, criminaliza a
homossexualidade e responde por diversas acusações de trabalho escravo para a
construção dos estádios e infraestrutura para a copa do mundo de 2022.
Foram relatadas mais de 6.500 mortes
por exaustão nos canteiros de obras por conta da alta quantidade de horas
trabalhadas em temperaturas acima dos 45 graus celsius.
Sempre houve questionamentos sobre a
escolha de determinados lugares para sediar os grandes eventos esportivos,
desta vez, no entanto a situação fugiu ao controle dos organizadores, uma vez
que os protestos tem as mais diferentes razões em uma mesma edição. Como a
falta de liberdade é uma das características do Catar, as pessoas, e até mesmo
empresas, tem usado da criatividade para mostrar ao mundo as mazelas do
Emirado. A Hummel, por exemplo, patrocina a seleção da Dinamarca, mas não quer
sua marca associada ao mundial do Catar e deixou sua logo da mesma cor da
camisa, ficando praticamente invisível. Da mesma forma, fabricantes e
distribuidores de diversos produtos têm evitado associar suas marcas ao evento,
é o capital buscando a sobrevivência a todo custo, mesmo apoiando internamente
o conservadorismo e a ultra direita, não perdem o norte do que importa; o
capital.
Por isso é tão importante que em
eventos dessa magnitude e abrangência todos os formadores de opinião e
principalmente os grandes atletas se posicionem contra todo e qualquer tipo de
preconceito, contra a fome e a favor da liberdade de expressão e por melhores
condições de vida para todos.